terça-feira, 11 de julho de 2023

Religião e cultura, irmãs siamesas

 

Religião e cultura são irmãs siamesas. Compartilham o mesmo coração. E são elas que suprem aquilo que o ser humano chama de alma. O alimento sólido é a alta cultura e, por exigir uma digestão complexa, é compreensível que crianças e jovens tenham dificuldade em ler Shakespeare, contemplar Rembrandt e ouvir Bach. Para apreciar esse tipo de arte é preciso refinar o paladar. Refinar no sentido de se tornar superior. Não para a prepotência, nem para inflar egos, e sim para conhecer a realidade, desiludir-se das utopias e saber de uma vez por todas que o bem da humanidade, de uma sociedade, de uma família só pode ser conquistado pela ação de indivíduos. É o amor ao próximo o único meio para alcançar a tão sonhada  “justiça social”. E começa em casa. Primeiro pago minhas contas e limpo o que sujo. Depois me debruço sobre política pública.

 

É muito bom quando a juventude tem sede de saber. Pena mesmo é quando adultos, com toda a faculdade intelectual possível, não conseguem reconhecer a realidade, nem valorizar e se esforçar para ouvirem as vozes de nossos antepassados. Vozes essas que falam através dos livros, das músicas, da poesia. Que continuam ecoando, mesmo quando seus autores já morreram. O adulto que despreza o conhecimento vive na Matrix, buscando a felicidade como um cachorro corre atrás do rabo. Iludido e entorpecido, uma caricatura de homem.

 

Uma cultura rasteira e mesquinha não pode produzir outra coisa a não ser políticos canalhas, jornalistas péssimos, médicos charlatães e toda a sorte de profissionais de meia-tigela. O povo vai se esquecendo de buscar as virtudes, vai se rendendo aos vícios. Com a decadência da cultura pop, começa-se a exaltar o que era desprezado. Os heróis de hoje retratados pela grande mídia matam civis e falam a novilíngua. Nem os vilões escapam da Polícia do Pensamento. Que o diga nosso pobre Andrés de Fonollosa, vulgo Berlim.  

 

Mentes deformadas por propagandas travestidas em arte e crime organizado camuflado de congregação religiosa, tendem a terrestrializar a redenção do espírito. Revoluções querem destruir até as bases, para edificar algo novo. Reformas almejam manter o que é bom, renovar o que não funciona mais. Revolucionários tendem a se achar os portadores do bem e apontar o inimigo como o mal. Reformistas deveriam reconhecer, com base no Cristianismo, que o bem existe em si e que o mal é a negação do bem, assim como o escuro é a ausência de luz. Portanto, todo ser humano tem potencial para ser bom como um anjo ou vil como um demônio.


                                   São Paulo, de autoria de Valentin de Boulogne


 

Acreditar que a religião é o ópio do povo e que a cultura que interessa é apenas a que agrada ao self ou ao grupo a que se quer pertencer é uma cosmovisão muito rasa e embaçada. Uma maneira medíocre de viver. O cidadão que pensa assim, fecha-se para todo debate. Nesse caso, deveria, ao menos, abster-se de emitir opiniões. Uma opinião não importa ao menos que venha preenchida de experiência, leitura e pesquisa. Fundamentada na verdade, na sinceridade e no que se aprende não apenas com a cultura de agora, mas também com o que foi herdado.

 

É engano acreditar que a economia e a disputa de classes são a explicação última para o sofrimento. O ser humano é um animal demasiadamente complexo para ser estudado só por esse ângulo. Nenhuma ciência, nem mesmo a economia, conseguiu responder de onde veio o homem, o que ele veio fazer aqui e para onde vai depois da morte. Essa resposta compõe o que heróis na fé declaram, que não somos avestruz para viver apenas do imanente. O pensamento humano é atraído pelo infinito. Pelo que é eterno. Santo Agostinho declara em suas confissões: “… porque nos fizeste para ti, e o nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso”. C. S. Lewis fala o mesmo em linguagem narniana: “Se eu encontrar em mim mesmo um desejo que nada nesse mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que fui feito para outro mundo”.

 

A religião e a cultura têm o mesmo coração, que é o próprio Deus, porque o homem não é um sistema fechado. O salto no escuro ao qual se refere o professor Guilherme de Carvalho é essa busca pela identidade e autenticidade em si próprio. Ninguém pensa com a própria cabeça. Se as referências e os valores não vem da alta cultura e do cristianismo, vão vir de outros lugares. Sociedade laica é mais uma utopia.

 

 

 

 

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