terça-feira, 27 de junho de 2017

Madame Bovary e o problema do descontentamento

Nunca tinha sentido uma ressaca literária tão profunda quanto após a leitura de Madame Bovary, de Flaubert.


É um clássico e, como todo clássico que eu já li, demorei meses para terminar. A linguagem é magnífica, mas a história é densa e nem um pouco divertida. Não é uma leitura para entretenimento. Quando se lê histórias como a de Madame Bovary, o que se ganha é um conhecimento maior sobre o sofrimento humano.

Eu odiei Ema Bovary em muitos momentos. Odiei-a por causa de suas atitudes e, principalmente, porque me reconheci na protagonista. Identifiquei-me profundamente com o descontentamento no qual ela agoniza. Cada escolha de Ema tinha como objetivo alcançar a felicidade e tornar a vida menos enfadonha. Mas o novo também se torna velho e Ema voltava sempre ao mesmo estado de tristeza, ou talvez a um estado cada vez pior. As desilusões e a monotonia corroeram sua alma a ponto de levá-la odiar tudo, inclusive a si própria. A dor do existir fazia-a voltar-se apenas para si mesma, num narcisismo tal que nem a própria filha era digna de seu afeto sincero.

Odiei Ema Bovary porque ela era infeliz apesar de ser bonita e inteligente, ter um marido bondoso e fiel, uma filha saudável e doce, amigos, casa, uma vida confortável e um pai amoroso. Como alguém com tudo isso pode não ficar satisfveito e grato?
Pois é... Que atire a primeira pedra quem nunca reclamou de barriga cheia.

Se você já sentiu ao menos um quarto do vazio que Madame Bovary sentia, sabe que nem todo dinheiro do mundo, nem as maiores paixões, nem os melhores divertimentos, podem preenchê-lo. E o final de Ema é o mais terrível possível. O dela e o da família.

Pobre Ema! Queria poder salvá-la, ser-lhe amiga, ajudá-la a encontrar uma saída. Naquele tempo, provavelmente, não se tinha diagnósticos nem tratementos adequados para a depressão e suas variações. Mas, hoje isso existe e, ainda assim, muitos de nós vivem como Ema, vendo os dias passarem como reprises infindáveis, sentindo nos ombros o fardo pesado de sermos felizes e a responsabilidade de não tornar a vida de quem amamos um inferno.

Ao ler a última página fiquei pensando... é muito fácil julgar Ema Bovary como mulher leviana e ingrata. É muito fácil apedrejá-la. O que eu quero realmente saber é como Ema poderia ter sido salva.

Claro, sabemos que a Salvação pode vir apenas de Cristo. Ema conhecia a religião, mas não conhecia o Cristo. Pelo menos não como o Novo Testamento O revela. Todavia, dizer que Ema pereceu por não conhecer a Cristo, embora seja verdade, é uma resposta bem simplificada e que leva à outra pergunta mais complexa: em que consiste conhecê-Lo?

Desde o Gênesis, Deus vem se revelando como Criador, Senhor, Grande Eu Sou, e como Pai, através de seu Filho Jesus. Deus é trino, é Pai, Filho e Espírito Santo.

Deus também se revela na criação, nas Escrituras, em nosso coração. Ainda assim, é possível que não O conheçamos de fato.

Um grande filósofo disse certa vez que "Deus fez o mundo ambíguo o suficiente para crermos Nele se estivermos dispostos". O problema está no ollhar. Muitas vezes preferimos enxergar aquilo que não somos, que não temos, que não sabemos. Com toda a luz existente, ainda assim preferimos olhar para a escuridão. Com tudo o que nos foi revelado, preferimos nos exaurir desvendando os mistérios. Com toda a beleza diante de nós, preferimos olhar aquilo que está por trás de tudo até que todas as coisas se tornem transparentes (C. S. Lewis). Com toda a dádiva disponível, preferimos enxergar a privação e os limites (Guilherme de Carvalho).

Creio que esse era o caso de Ema. Ela sonhava com uma vida agitada, emocionante e prazerosa, mas, mesmo vivenciando momentos assim, nunca eram o bastante. Nada conseguia preencher o coração de Ema. E esse vazio cresceu gradativamente até que a engoliu.


Eu não sou como Ema, mas admito que me identifiquei com ela em muitos pensamentos. Poderia fazer aqui dezenas de citações, frases de Flaubert que atingiram meu peito feito lança. Me pergunto como um homem conseguiu escrever uma história que caracterizasse tão bem a angústia de uma mulher decepcionada com a vida feito Ema Bovary.

O problema dos clássicos, pelo menos os que já li, é que o mal e a dor são bem retratados, mas nunca há uma redenção. Não gosto disso. E é exatamente o contrário que tento fazer nas histórias que escrevo. Ainda que anos luz do talento de Flaubert, escrevo sobre a dor, sobre o amor, sobre o medo, e também sobre esperança e fé. Os meus protagonistas passam por um processo de amadurecimento até alcançarem a redenção.

Aprendi com Ema Bovary. A história dela me inspirou e me emocionou. E o final devastou meu coração. O fim de Ema retratou o que acontece com quem não tem fé, amor e esperança. Essas três virtudes sempre estão presentes nas histórias que publico, porque quero lembrar aos meus leitores que o bem vence no final. Não só na Literatura, como também na vida real.


terça-feira, 20 de junho de 2017

Viver é Adaptar-se - Parte 2

Viver é adaptar-se. Isso não vale só para quem é deficiente, mas para todos nós. A vida sempre nos apresenta situações novas que, em diferentes graus, nos obriga a mudar, a descobrir uma nova maneira de viver e sobreviver. 

No meu caso, dentre tantas mudanças - algumas boas, outras terríveis -, uma delas que exigiu de mim coragem e força foi a área profissional. Sempre trabalhei com coisas que eu gostava, mas nunca, nunquinha trabalhei com algo que amava. O resultado foi a frustração (já falei mais de uma vez sobre isso no blog). Foi quando em meio à crise existencial, descobri que escrever não era apenas um hobby, mas um talento. Descobri também que esse talento não deveria permanecer enterrado, mas que eu poderia desenvolvê-lo e usá-lo para o bem, meu e do meu próximo. 



Com o apoio da família e de amigos, destacando minha mãe e meu marido, comecei a investir no sonho de me tornar escritora. Dentre os diversos textos guardados, escolhi um e publiquei (Um Ano Bom). A princípio 50 exemplares, depois aumentei gradativamente. Conheci outros escritores, aprendi mais sobre o universo da literatura, comecei a participar de eventos, a visitar escolas, a ler mais literatura nacional, a fazer parcerias com blogs e ig's, enfim, a finalmente trabalhar duro em algo que amo. 

Muitas vezes, quando lecionava em sala de aula, chegava em casa decepcionada, cansada, com um sentimento ruim de desperdício de tempo, vida, energia e inteligência. Também não é objetivo deste texto dissertar sobre a carreira de professor no Brasil, que todos sabem que é pauleira. O problema muitas vezes era mais dentro de mim do que fora. O que mais me entristecia era a sensação de não-reconhecimento, como alguém que detona no The Voice e não recebe um mísero aplauso, nem mesmo de consolação. 

Salomão já dizia, "tudo é vaidade". Paulo disse, no entanto, "que tudo posso, mas nem tudo me convém". Entre os ensinamentos de Salomão e Paulo há um equilíbrio na busca pelo sucesso. Acredito que todo mundo quer ser bem-sucedido, e isso não envolve necessariamente grana, que com certeza é algo necessário e gratificante. Não se resume também à fama e glamour, o que algumas vezes deve ser bem gostoso. Para mim, ser bem-sucedido e realizado é você ter a certeza de que o seu trabalho é importante para alguém, é valorizado, faz bem para as pessoas e faz a diferença no mundo. E isso, meus amigos, tenho experimentado pela primeira vez com a literatura. 



Assim como o André, meu marido, precisou se adaptar à nova rotina, à mim, à sua condição de cadeirante, eu precisei me adaptar à nova condição de iniciante em uma carreira. Após um curso técnico, uma graduação, um mestrado e dezenas de outros cursos, voltei à estaca zero de aprendiz. 

Pasito por pasito tenho conquistado meu espaço no hall dos escritores brasileiros contemporâneos e também um espacinho no coração dos meus leitores. Claro, conto com o apoio de muitas pessoas: família, mãe, marido, amigos, escolas, professoras, colegas de profissão, minha editora, profissionais de distribuidoras e livrarias, leitores beta, meus parceiros queridos no Instagram, no Face e Blogs, meus leitores, etc. Conto principalmente com o apoio de Deus. Nada tenho que do céu não me tenha sido dado. 

Ainda estou na fase do "investir". Investir tempo, energia, dinheiro, capital cultural, vida. Mas não passa uma semana sem que eu tenha a deliciosa sensação de que meu trabalho é importante para alguém, que é valorizado, que minhas histórias e palestras fazem bem para as pessoas e que, como na história do beija-flor que tentava apagar o incêndio com a água que levava no bico, meu trabalho faz a diferença no mundo. Minhas histórias falam de amor, fé e esperança e nos fazem lembrar de que o bem sempre vence no final. 


 Aqui vai um exemplo do que estou tentando dizer: nesse mês estive duas vezes em Betim (MG), em instituições de ensino e de promoção da cultura. Um motorista veio me buscar em casa e depois me trazer de volta. Quando cheguei na Ramacrisna, fui recebida pela equipe com um bolo quentinho, recepcionada por alunos super interessados e espertos. Após um almoço com gostinho de casa de vó e de ganhar um presente de artesanato lindo, fui para o Salão do Encontro. A turma já me esperava na biblioteca ansiosa, me ouviu com atenção e olhinhos brilhando, fizeram perguntas, pediram autógrafos e fotos. Depois fui direcionada para um outro ambiente super agradável e ali me esperava um lanchinho com o melhor pão de queijo que já comi na vida. 

Ganhei de presente um "cochicho" (pergunta pro Google o que é), abraços, elogios, agradecimentos e muito, muito carinho de toda a equipe. Meus livros foram comprados para colocar nas bibliotecas das instituições e funcionários também vieram ao meu encontro para me conhecer. Imagina, uma escritora de verdade assim, tão pertinho! 

No outro dia que retornei, mais uma vez a visita ao Salão do Encontro foi linda e fui recebida com muito carinho. Depois foi a vez do Centro Popular de Cultura Frei Chico. Havia um mural com o meu nome e o nome dos livros, e mais uma turma gigantesca de alunos para me ouvir.

Não há como descrever a sensação de estar com o microfone nas mãos, tentando expressar o que de mais belo há em mim, para uma platéia que te olha nos olhos, aguça os ouvidos e ouve o que você tem a dizer. É um momento mágico quando as pessoas chegam perto para conversar, pedir um autógrafo, tirar uma foto. É de arrancar sorrisos bobos o resto do dia quando recebo uma mensagem pela internet ou uma cartinha de alguém que leu meus livros, se identificou com a história, se emocionou. Não há grana que pague isso, nem fama, nem glamour. Já fui em muitas escolas, humildes e imponentes, a sensação de felicidade é igual em todas.      

Como diz o título, viver é adaptar-se. Eu tenho tentando me adaptar a essa mudança em minha área profissional. Eu, com 32 anos, escolhi uma nova profissão e tive de iniciar da estaca zero. Todo escritor no Brasil sabe que não é fácil viver de livros. Entre a primeira publicação e a conquista de um público leitor fiel, há um vasto caminho a ser percorrido e muito investimento a ser feito. É preciso acreditar no sonho para perseverar. 



Acredito que toda profissão tenha seus perrengues e também seus momentos sublimes. A carreira de escritora não seria diferente. Mas o que me move é ter a certeza de que vale a pena. Nunca tive tanta certeza de algo em minha vida profissional como tenho agora, ou seja, de que quero que pessoas no Brasil todo e no mundo leiam as minhas histórias. E são momentos como estes que vivi em em instituições como Ramacrisna, Salão do Encontro, Centro Popular de Cultura Frei Chico, E. E. Luiz Gatti, Colégio Santa Maria Betim, E. M. Mestre Ataíde, e tantas outras, que me fazem perder o medo. São momento s assim que me ajudam a ter a coragem de continuar acreditando que o meu talento é verdadeiro e que não só eu mesma, mas outras pessoas também conseguem enxergar isso. 



Tenho me sentido realizada, importante e cheia de entusiasmo. E, depois de quase dois anos perdida no labirinto que eu sou, Deus, com sua preciosa luz e seu infinito amor me toma pela mão e me mostra mais uma vez o caminho em que devo seguir.

Agradeço a Deus e a todos vocês que me ajudam a tornar meus sonhos realidade. Muito obrigada!   






sábado, 17 de junho de 2017

Viver é Adaptar-se - Parte 1

Já falei em um post anterior - na verdade não é pensamento meu, mas que tirei dos meus estudos sobre Filosofia - "que existem circunstâncias sociais, genéticas, emocionais, intelectuais e até cósmicas sobre as quais não exercemos nenhum controle. O desafio é aprender a viver bem a partir do que somos e do que temos, aceitando aquilo que não podemos mudar e tendo coragem de mudar aquilo que podemos". Pois bem, não sei se todo mundo sabe que sou casada com um homem que é tetraplégico. O conheci já nesta condição há 16 anos, quando eu, ainda menina, me apaixonei pelo meu melhor amigo. Sim, éramos amigos a princípio, mas o relacionamento foi se tornando cada vez mais estreito, até que nos beijamos pela primeira vez em 13 de dezembro de 2001. 

De lá para cá vieram as etapas do namoro, noivado e casamento. Muita coisa aconteceu na minha vida e na dele nesses 16 anos e, pela Graça e Amor de Deus, nosso amor tem vencido e se renovado. Sim, por causa do Amor de Deus, porque não há amor nem afeição que possam existir desvinculados do amor de Deus. Sem o amor de Deus tudo se torna tormento, escravidão e vazio. 

Mas este texto não é exatamente para falar de teologia, nem especificamente dos meus amores e das minhas dores. Este texto é pra falar de superação. 



Ainda namorando o André, ele cismou certa vez de fazer autoescola para conseguir dirigir um carro adaptado. No fundo, confesso que pensei que ele não seria capaz. Fiquei com medo até, pelas limitações dele oferecerem riscos no caso dele dirigir um automóvel. Mesmo assim, concordei com a ideia e lá fomos nós fazer aula na única autoescola que, na época, tinha um veículo adaptado e automático em Belo Horizonte. Sentei-me no banco de trás com a sensação de medo. Medo por ele ficar frustrado se tudo desse errado, e medo por estar no carro com alguém dirigindo perigosamente. Hahaha, imaginava-o tentando fazer uma curva e esborrachando o carro no muro. No entanto, para a minha surpresa, já na primeira aula ele dirigiu maravilhosamente bem e, antes mesmo de completar o pacote de 10 aulas comprado, o instrutor já marcou o exame dele. O André tirou a carteira adaptada de primeira (ele já era habilitado, porém, quando se fica deficiente, é preciso passar por todo o processo de novo e fazer o exame com as adaptações necessárias). Eu e ele ficamos muito felizes. 

Esse é só um exemplo de todas as coisas que meu marido conseguiu fazer depois que o conheci. Ele saiu de uma condição de acamado quase 24 horas por dia, para uma vida ativa, semi-independente e dinâmica. Foram necessários muitas adaptações como as do carro, da casa, do estilo de vida e rotina e, principalmente, da mentalidade. Talvez o mais difícil de se adaptar a uma situação nova e/ou limitada seja a mente. O medo muitas vezes paralisa e nos impede de tentar algo novo, de sair da zona de conforto, de perder o controle total da situação, de correr riscos.




A mais recente mudança, que está me fazendo dar pulos de alegria, é que temos feito mais coisas juntos, dentre elas, viajar. Há 9 anos sempre viajávamos para a mesma cidade nas férias, o mesmo hotel, o mesmo quarto. No início era legal, pois é um lugar bem bonito, mas depois foi me cansando. Entendo que, para meu marido, ir em um lugar que já se conhece e já se sabe que tem estrutura para cadeirante, traz segurança e conforto. Mas, definitivamente, para mim, isso se tornou um saco. Diferente dele, gosto de novidades, de ir a lugares diferentes, conhecer outras paisagens, culturas, idiomas, comidas, etc... Viver novas experiências. É em situações assim que o amor precisa agir. Se eu amo meu marido, preciso compreender que não é todo lugar que ele pode ir comigo, nem tudo que eu quero é o que podemos fazer. Por outro lado, o André precisa entender que só porque ele não pode, não quer dizer que eu não posso; só porque ele não quer, não quer dizer que eu não quero. Cada um precisa ceder um pouquinho. 

Graças a Deus, ele nunca foi o tipo de homem que proíbe a esposa de fazer as coisas. Pelo contrário, sempre me apoiou quando viajava em razão do mestrado, quando viajo para as bienais e feiras de livros, quando vou visitar algum parente que mora longe. Ele mesmo já viajou com os amigos pra ver jogo do Galo em outro estado. Quanto a isso, somos bem tranquilos. A questão toda é que eu queria fazer mais coisas COM ELE. Ele entendeu isso e passamos a ir mais ao cinema, a restaurantes mais topzinhos, a fazer viagens diferentes. E foi aí que o mais legal aconteceu. Se no início o André topou sair da zona de conforto e vencer os medos para me agradar, logo em seguida ele sentiu na pele o quanto isso era bom. Ele mesmo começou a ter vontade de fazer as coisas, sem precisar de eu ficar insistindo. E isso fez muito bem a ele, a mim e a nós. Fez bem ao nosso amor.


Sim, viver é adaptar-se. Adaptar-se é sair da zona de conforto e permitir o novo. É vencer os medos, aceitar os desafios, aprender a conviver com o que não se pode mudar e ter coragem para mudar o que é possível. 

É isso o que eu e o meu marido temos feito.

Que Deus dê a você sabedoria e força para vencer. 

Descobri uma coisa com o Pastor Guilherme de Carvalho. O contrário do amor não é o ódio, nem a indiferença. O contrário do amor é o medo, porque o amor lança fora todo o medo. E Deus, o que é? Deus é amor. 


quarta-feira, 14 de junho de 2017

Gratidão

Há algum tempo eu estava insatisfeita profissionalmente. Cursei faculdade e pós-graduação acreditando que o caminho que eu tinha escolhido era bom o bastante para me fazer feliz, mas, com o tempo, a sensação de que minha vida estava passando em branco começou a me sufocar.

Acredito que muitas pessoas já passaram ou estão passando por isso, ou seja, estão vivendo uma crise em alguma área da vida que grita por mudanças. Não estou aqui para lhe dizer o que você tem de fazer, pois cada um caminha como pode. Este texto é mais um relato da minha vida, com a intenção de inspirar você e te encorajar. O fato é que existem circunstâncias sociais, genéticas, emocionais, intelectuais e até cósmicas sobre as quais não exercemos nenhum controle. O desafio é aprender a viver bem a partir do que somos e do que temos, aceitando aquilo que não podemos mudar e tendo coragem de mudar aquilo que podemos. 

No caso específico da minha profissão, muitas coisas acabaram acontecendo para que eu desse uma pausa na carreira que tinha escolhido aos 18 anos quando fiz vestibular. E aí, então, veio uma crise violenta, porque eu não sabia mais o que fazer da vida e, muito menos, o que fazer com o que eu tinha construído até ali. Por um período breve, o seguro desemprego me garantiu uma parte da renda necessária para eu pagar minhas contas. Graças a Deus e ao meu pai - que me deixou bens - não era exatamente a falta de grana que estava me deixando desesperada. O que gerou um total descontentamento em meu coração foi o fato de olhar pra mim e me sentir fracassada. Comecei a me comparar - tenho esse grave defeito - com outras mulheres e me sentir menos querida, menos amada, menos importante, menos feliz. Era como se eu tivesse vivido 30 anos da minha vida com a promessa de ser uma pessoa grandiosa, cheia de potencial, mas que no fim não havia construído nenhum legado. Eu sei, estava sendo ingrata, orgulhosa e até mesmo invejosa, e isso era horrível. Não sei explicar... Na minha mente eu sabia que tinha muitas coisas que agradecer, mas minhas emoções me puxavam para baixo, para um tipo de buraco negro, onde eu só conseguia enxergar as escolhas erradas que fiz e os meus defeitos.


Procurei ajuda obviamente, como já relatei em outros posts: psiquiatra, psicóloga, homeopatia, acupuntura, atividades físicas, leituras de teologia e filosofia e, principalmente, a oração e a Palavra de Deus. Não vou dizer que foi fácil. Foram dois anos lutando contra mim mesma, como se eu fosse minha pior inimiga. Eu me odiava e não suportava minha própria companhia. Nesses momentos de fraqueza, parece que o mal aproveita para invadir nossa alma através das frestas, nos levando a acreditar que a escuridão é melhor do que a Luz. Eu me debatia em minha própria carne, como alguém que é enterrado vivo. Nesse meio tempo, tive momentos bons e momentos terríveis. A noite durava mais do que o dia. Contudo, mesmo eu pensando seriamente em me perder como fez o filho pródigo da parábola, Deus me sustentou com Sua Graça. Como um pai que ama o filho incondicionalmente, ele me puxou para um abraço, vem enxugando minhas lágrimas, e segurando minhas mãos, como um pai segura o bebê que está (re)aprendendo a andar. Eu, que há mais de uma década conhecia a Verdade, me vi impregnada da "velha criatura" e descobri defeitos grotescos que nem imaginava ter. No entanto, Deus tem transformado o mal em bem, usando minha crise existencial para me ensinar a ser humilde, dependente Dele e a ter um coração grato. 

"Que eu não me canse de agradecer", essa tem sido minha oração. E o livro "Confissões", de Santo Agostinho, tem sido meu livro de cabeceira. É maravilhosa a forma como Agostinho relata sua conversão e o que mais me impressiona é a intimidade que esse homem tinha com Deus.


Sempre vão existir pessoas que têm problemas muito maiores que o nosso. Porém, nosso termômetro só consegue medir o tamanho da nossa dor. É impossível comparar. A dor do outro jamais nos consola. O que nos consola é saber que existe o Bem, que existe  Luz, que existe Esperança. É essa esperança que nos ajuda a perseverar e seguir em frente, rumo ao alvo. Porque, como disse Agostinho, "com efeito, não só ir ao céu, mas também atingi-lo, não são mais que o querer ir, mas um querer forte e total, não uma vontade tíbia que anda e desanda daqui para ali, que luta entre si, erguendo-se num lado e caindo no outro.


Tenha força, meu amigo. Busque a esperança em meio ao desespero. Busque o amor em meio a esse mundo cheio de ódio. Só quando admitimos que estamos perdidos, é que começamos a nos encontrar. Se permita chorar e sofrer, mas entenda que o sofrimento humano não durará para sempre. 

Grande abraço, Deus o abençoe.