domingo, 20 de agosto de 2017

Se você quer um mundo melhor, comece pela sua casa!

Há cerca de três anos, com o início da Operação Lava Jato, vozes antes inaudíveis no país começaram a ecoar em todos os meios de comunicação. A população brasileira (a massa) passou a se inteirar melhor sobre assuntos que até então nos causavam ânsia de vômito e muita preguiça. Eu quase nunca ouvia alguém falar sobre economia e política e, de repente, este passou a ser tema de conversas nos pontos de ônibus, nas festas de aniversário, durante um passeio ao parque e, até mesmo, nas baladas de sexta-feira. Era como se uma escultura muito antiga começasse a descascar revelando sua verdadeira aparência.

Eu, que passei a adolescência ao modo maluco beleza de ser, era a legítima cidadã alienada. Meu caminho até os 28 anos foi cheio de utopias e ideias mirabolantes acerca da fé, da paz e da injustiça no mundo. Sempre gostei de estudar Ciências Humanas e, inclusive, me graduei em Geografia. Mas depois de 12 anos na escola e mais 4 na faculdade, continuei com conceitos completamente distorcidos sobre quase tudo.

Eu cultivava uma visão romântica acerca das mazelas da humanidade e acreditava que poderiam existir indivíduos capazes de mudar o rumo da história. Foi justamente por isso que escolhi ser professora: eu achava que poderia mudar o mundo.

Quando comecei a sair do universo da fantasia e caí de paraquedas na realidade nua e crua, minhas utopias começaram a ruir. Uma sala de aula não é algo nada romântico. E a vida não é um palco onde podemos subir para dar o nosso show. A não ser que seja um show de horrores.

Quando eu passei a ser autodidata é que finalmente comecei a entender algumas coisas. E esse "bum" que aconteceu na política brasileira, explodindo o esconderijo dos ratos e obrigando-os a sair da toca, foi essencial para o meu amadurecimento intelectual. Comecei a ler mais, textos de autores diferentes, de fontes distintas, com influências político-filosóficas antagônicas. Comecei a assistir aulas na internet, frequentei um curso sensacional de teologia, mergulhei de cabeça nas estantes de livros de filosofia, teologia e romances clássicos.

Meio que desalienei, pelo menos uns 60%. Isso a meu ver já é bom. Na verdade é muito bom. Quando desembaçamos o para-brisas fica mais fácil enxergar a estrada e conduzir o veículo em direção ao destino que escolhemos como alvo.

Meu repertório aumentou absurdamente e parei de acreditar em um monte de bobagens que eu acreditava piamente serem verdade. Pelo menos agora será mais difícil de eu ser usada como marionete para alguma causa escusa.

Mas, porém, entretanto, todavia, contudo, descobri algo terrível: eu não posso mudar o mundo. Nem eu, nem ser humano nenhum. Para mudar o mundo, o poder teria de se concentrar em minhas mãos. Para o poder se concentrar em minhas mãos, precisaria ser uma ditadora, e para ser ditadora precisaria usar a violência. Quando usamos a violência, o mundo se torna pior. E isso resume a ópera da utopia de sociedade justa.

Quem é "a sociedade"? Falamos "sociedade" como se fosse algum ser com vida própria. Como se "a sociedade" fosse algo externo a nós. Está ali, olha lá a "sociedade", apontamos com o dedo. TUDO BOBAGEM!

A sociedade somos nós. Eu e você que me lê. É fácil desejar uma "sociedade justa" enquanto eu ignoro o mendigo passando fome na esquina da minha casa. É fácil ansiar por um "mundo melhor", enquanto dentro do meu lar trato mal a minha mãe, sou agressiva com meus irmãos, sou desaforada com o meu pai, sou egoísta com meu marido, oprimo os meus filhos. Participo de uma passeata contra a corrupção, mas dou o cano a torto e a direito, preocupando-me em me dar bem a qualquer custo. Encho a boca para falar mal do imperialismo estadounidense, mas quando vou à padaria na rua de cima, olho com desdém para meus vizinhos e finjo que não os vi, só para não ter de cumprimentar. Coloco textos gigantescos no Facebook expressando minha indignação, ansiando por curtidas e compartilhamentos, mas ao primeiro colega que comenta algo que não concordo, me torno hostil e o rotulo de todos os adjetivos toscos que vierem na cabeça. A liberdade de expressão só vale quando todo mundo concorda comigo?

Me expliquem que ideia de sociedade justa e mundo melhor é essa que faz com que nos importemos com os que estão longe e esqueçamos dos que estão perto?

C. S. Lewis fala sobre isso ao dar o exemplo da guerra. Durante o conflito, os exércitos ingleses e alemães se odiavam e se digladiavam. No entanto, esse era um ódio mítico. Quando se está em uma guerra, se odeia um inimigo imaginário. Na verdade, os soldados rivais nunca se encontraram face a face para dizer que se odiavam de uma maneira pessoal. Lewis diz que "os ingleses declaravam em alto e bom som que a tortura seria pouco para seus inimigos, mas logo ofereciam chá e cigarros ao primeiro piloto alemão ferido que porventura batesse à porta dos fundos".
Eu me identifiquei nesse trecho. Quantas vezes odiei as pessoas que militam por causas que eu abomino? Quantas vezes desejei que essas pessoas fossem desmascaradas e presas? Contudo, se qualquer uma delas bater em minha porta pedindo um copo de água fria, certamente eu jamais negaria. Odiar é ruim? É evidente que sim. Mas esse é um ódio mítico. Assim como desejar um mundo mais justo e pacífico é uma benevolência mítica. Enquanto amo e tenho compaixão pelas pessoas de um círculo mais distante, esqueço os da minha própria casa.

Em "Cartas de um Diabo a Seu Aprendiz", um demônio mestre ensina a seguinte estratégia ao demônio aprendiz: "O que quer que você faça, sempre haverá alguma benevolência, assim como alguma raiva, na alma humana. O melhor a fazer é voltar a raiva da pessoa para os semelhantes mais próximos, aqueles que ela encontra todos os dias, e voltar a benevolência para um círculo mais distante, para as pessoas que ela não conhece. Desse modo, o ódio torna-se completamente real e a benevolência, em grande medida, imaginária". No final ele conclui: "Nem mesmo todas as virtudes pintadas pela fantasia ou aprovadas pelo intelecto, ou até, em alguma medida, adoradas e admiradas, serão suficientes para afastar um homem do inferno".

Forte isso? É para ser mesmo. Para deixar esse gosto amargo que você está sentindo na boca . Se você quer um mundo melhor, comece pela sua casa!

Para que as virtudes ajudem a nos tornarmos seres humanos melhores, mais justos, honestos, benevolentes, e, consequentemente, produzam uma sociedade mais justa e um mundo melhor, elas precisam parar de ocupar apenas o campo da imaginação e do intelecto. Precisam ocupar o campo da vontade, o verdadeiro centro de nosso ser que é o coração. Precisam ser praticadas com as pessoas que nos cercam e se materializarem como hábitos.

Talvez aqui seja bom relembrar um mandamento que todo mundo sabe de cor, mas que quase ninguém sabe como colocar em prática: "ame o teu próximo como a ti mesmo". 
Nesse caso, não é o amor afetuoso e apaixonado. É um amor bem maior. Deixarei você pensar sobre isso. Talvez eu fale sobre esse amor em outro post. Mas acho que você deve desconfiar sobre que tipo de amor estou me referindo.

Referências:
C. S. Lewis. Cartas de um Diabo a Seu Aprendiz. São Paulo: Martins Fontes, 2014.



     

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

A Decepção é uma Coisa Boa

C. S. Lewis é o meu escritor favorito ever e o livro dele “Cartas de um Diabo a seu Aprendiz” é meu livro favorito no mundo. Eu sei, o título é cabuloso. E acreditem, o livro é mais cabuloso ainda. Esse é um daqueles livros que a cada parágrafo sentimos como que um tapa na cara e um soco no estômago. É um livro para se ter na cabeceira e ler e reler dezenas de vezes, talvez centenas. Se eu fosse fazer um resumo das frases que mais me impactaram, praticamente transcreveria o livro para este post. É o tipo de livro para se ler com o Twitter aberto.

Logo no capítulo 2 o leitor é esbofeteado com o seguinte trecho:
“Deus¹ permite que a decepção aconteça no limiar de todo empreendimento humano. Ela acontece quando o menino que ficava encantado no maternal com as histórias da Odisséia²  começa a estudar seriamente a língua grega. Acontece quando recém-casados dão início à missão de aprender a viver juntos. Em todas as instâncias da vida, essa decepção marca a transição da aspiração sonhadora para a ação laboriosa”.
Não sei de vocês, mas isso tem sido o lema da minha vida.
É claro que desde criança sofremos várias decepções, pequeninas e gigantescas. Isso é normal. Ninguém consegue tudo que quer, do jeito que quer e fica feliz exatamente como imaginou. Quanto maior a expectativa, maior o tombo.
No entanto, nos últimos anos, eu venho colecionando algumas decepções épicas que, de tão reincidentes, me fizeram parar para perguntar: Será que Deus está querendo me ensinar algo com tudo isso?
Resolvi parar de me lamentar e embolei a frustração como se embola uma folha de papel em que estava escrito um poema medíocre. Joguei na lata do lixo (só que não, na verdade guardei na gaveta) e coloquei uma folha em branco na máquina de escrever. Comecei a ler histórias e poemas melhores que os meus. Histórias como a de Jó, de Salomão e as escritas por C. S. Lewis. Essas histórias e poemas me fizeram perceber que eu me tinha em alta conta e me julgava um suprassumo de ser humano.
Eu queria ser a amiga querida, a neta mais amada, a aluna elogiada, a cristã correta, a professora admirada, a escritora super lida, enfim, queria me destacar. Entendam, eu não sou do tipo de mulher que quer ser melhor do que todo mundo e está disposta a subir na cabeça das pessoas para chegar ao topo. Até porque sou preguiçosa demais para isso. O fato é que sempre que alguém se destacava de alguma maneira, minha luzinha vermelha da autoestima se acendia, a gratidão por tudo o que Deus já me deu desaparecia e no lugar surgia a frustração. Sempre que eu me desapontava com algo ou alguém, ficava com um nó na cabeça, um gosto amargo na boca e um peso insuportável no coração.
Caramba, isso é horrível. Só quem sente ou já se sentiu assim sabe do que estou falando. Quando os pensamentos e emoções negativos te controlam a ponto de você se sentir um lixo. Aí você pensa: “Eu não faço mal a ninguém, sou uma pessoa boazinha, por que isso acontece só comigo? Coitadinha de mim…” Reparem no destaque para a palavra só. O ego fica tão inflado que chegamos a pensar que somos os únicos a ter decepções. Meu Deus, obrigada por sua paciência e misericórdia. Se fosse outro pai já tinha me dado um puxão de orelha bem violento para eu ficar esperta. Mas Deus não é assim, Ele é bondoso, é justo, é severo quando preciso, mas nunca sem a presença do amor.
E então, nas minhas buscas por respostas e por práticas que me ajudassem a lidar com as decepções, encontro esse trecho-tapa-na-cara do C. S. Lewis. E por incrível que pareça,  falado através da boca de um diabo (que é o narrador da história): “Deus permite que a decepção aconteça no limiar de todo empreendimento humano. (…) Em todas as instâncias da vida, essa decepção marca a transição da aspiração sonhadora para a ação laboriosa”.
Caraca! Putzgrila! Caramba! Puxa vida! Foram essas palavras que me vieram à mente e a vontade: “caramba, preciso twittar isso!” Sim, Ana, twitte isso. Mas não só pelo celular. Twitte isso no seu coração também. Lembre-se disso quando seu trabalho te decepcionar, quando um sonho realizado não for aquela Brastemp que você imaginava, quando seu esposo te deixar louca de raiva, quando você não puder viajar para aquele lugar maravilhoso, quando receber uma crítica, quando sofrer perdas, quando um amigo se afastar sem explicação alguma, quando você descobrir que não é o suprassumo dos seres humanos.
É gente, eu precisava desse tapa na cara. Deus realmente estava querendo me ensinar algo.
“A decepção marca a transição da aspiração sonhadora para a ação laboriosa”.
É bom sonhar? Sim. As coisas caem do céu? Às vezes. Todavia, em todas as outras vezes a conquista só vem com muito trabalho e suor. Obviamente não há nada que eu tenho que não me foi dado por Deus. Reconheço isso. A honra e a glória são todas Dele. O que quero dizer é que se eu quero ser a amiga querida, preciso investir em minhas amizades, gastar tempo, ajudar quando precisam, estar mais disposta a ouvir do que falar, ser presente, amá-los como eles são. Se quero ser a neta mais amada, ok, não a mais amada pois isso seria injusto numa família cheia de netos e bisnetos, mas se eu quero ser a sobrinha, a neta, a prima, a filha amada, preciso ser amável e isso implica respeitar minha família, preocupar com cada um, orar por eles, escrever cartas e e-mails, ligar de vez em quanto, manter contato. Se eu quero ser a aluna elogiada, preciso estudar, não ter preguiça de me aperfeiçoar no que me propus a aprender, fazer tudo com excelência; se quero ser uma cristã correta devo amar a Deus, obedecê-Lo, preocupar-me mais com a vontade Dele do que com a minha; se quero ser uma professora admirada, devo respeitar meus alunos, ter boa oratória, dominar o conteúdo lecionado, me atualizar sempre; se quero ser uma escritora lida, preciso não só escrever, mas aprender a divulgar e promover o meu trabalho.
Mas há aqui algo muuuuuito importante que eu aprendi, talvez o mais importante de tudo: Pode bem ser que, mesmo se eu fizer tudo o que foi descrito no parágrafo acima, não alcance os objetivos almejados. É bem provável que, ao contrário, eu me decepcione no fim das contas e não seja tão admirada como gostaria… nem amada, nem correta, nem elogiada e muito menos me destaque. É aí que ocorre o desapontamento, a desilusão. E é exatamente aí que ocorre a transição entre a “aspiração sonhadora para a ação laboriosa”, entre a vida ideal romantizada e a vida real cheia de espinhos. Quando isso acontece, eu amadureço. Quando isso acontece, reconheço que sem Deus, “tudo é vaidade e correr atrás do vento”.
A cada decepção, fui caindo na real de que toda escolha tem consequências, de que nem sempre é possível desistir e de que o mundo não gira ao meu redor. Descobri em mim pecados e defeitos dos quais preciso me arrepender e pedir perdão diariamente. Descobri que toda bondade e justiça que há em mim, na verdade não emana de mim, mas vem de Cristo. Descobri que tudo é pela Graça. Não é pelo que eu faço, mas pelo que Cristo fez. Aprendi que eu preciso diminuir para que Ele cresça em meu coração e em minha vida. Meu ego me afasta de Deus. E ego e decepções andam de braços dados.
Aprendi a lidar totalmente com as decepções? Claro que não. Ainda estou engatinhando nesse processo. Mas, ao invés de ficar amargurada e revoltada, entendi que a decepção é uma coisa boa, pois me ajuda a preocupar mais com os planos de Deus do que com os meus, e me ensina a ser mais humilde e mais dependente do Senhor.
“O mundo não é cor de rosa e o Evangelho não é de pelúcia”, ouvi isso no curso de Teologia. As decepções nos ajudam a descobrir isso. E nos ajudam a entender que quando falamos da Cruz de Cristo, o assunto é sério. Muito sério. Sério e profundo. E, mais ainda, nos fazem compreender o tamanho do amor que Deus tem por nós. Deus é amor. Deus é o caminho, a verdade e o amor absolutos. Quando conhecemos essa Verdade, experimentamos desse Amor e trilhamos esse Caminho, as decepções diminuem e em seu lugar passamos a ser surpreendidos. Surpreendidos pela esperança, pela fé e pelo amor.

ATENÇÃO: Em breve irei migrar o blog de plataforma. Sairei do Blogger e irei para o Wordpress. Deixarei aqui o link para que vocês continuem acompanhando as postagens. Conto com vocês!
https://enquantosomosjovensblog.wordpress.com/
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¹ Deus é tratado no livro como “Inimigo”, pois o narrador é um diabo.
² Ri alto nessa parte, pois no Brasil isso passa longe. Falar de Homero para estudantes brasileiros? Nem na pós-graduação fui apresentada a essa obra. No Brasil, ou você é autodidata, ou corre sérios riscos de se tornar um analfabeto funcional. A segunda opção tem vencido nessa geração.