sábado, 17 de dezembro de 2016

Liberdade, Natureza e Identidade


            Lançado em 15 de janeiro de 2015, o filme “Livre” (Wild) baseado em um best-seller autobiográfico tem emocionado expectadores do mundo todo. Me lembrou em partes o filme “Na Natureza Selvagem” (Into the Wild) de 2008, também baseado em um livro biográfico. Ambos livros/filmes contam a história de seres humanos perdidos emocionalmente, tentando se encontrar de alguma forma “perdendo-se” na natureza.
“Livre” conta a história de Cheryl Strayed, jovem estadunidense inteligente e saudável, que vive graves problemas pelo casamento arruinado e pelo luto profundo em razão da morte da mãe. As formas com que a garota tenta fugir da tristeza não são nada sábias e ela acaba sendo sugada cada vez mais para situações de tristeza, solidão e esgotamento emocional. Para tentar se encontrar e descobrir um pouco mais sobre a beleza da vida que sua mãe tanto insistia em lhe mostrar, Cheryl decide percorrer a Pacific Crest Trail (PCT), uma trilha de 1.770 km pela costa oeste dos Estados Unidos.
“Na Natureza Selvagem” conta a história de Christopher McCandless, um jovem estadunidense recém-formado na faculdade, que decide percorrer uma longa jornada saindo de Atlanta em direção ao Alasca. Ele parte para essa viagem sem avisar sua família, que ficou sem notícias até o fim. Chris era aventureiro e sonhador, não concordava com o sistema econômico, o qual achava materialista e opressor. Tinha problemas de relacionamento com a família, em especial com o pai. Era ressentido por causa das mentiras e memórias dolorosas de violência verbal, brigas, rispidez, falta de diálogo por parte dos pais.
Tanto Cheryl quanto Chris entram na natureza sozinhos, deixando para trás as pessoas que os amavam, para longos dias de autoconhecimento, reflexão, desafios físicos e mentais, experiências únicas de êxtase e também de desespero. Ambos levam consigo seu repertório de autores que os inspiram: poemas, livros, músicas. Ambos são leitores vorazes e encontram companhia nos seus autores favoritos. Fazem deles seus amigos íntimos. Fazem da natureza sua amiga íntima... Mas muitas vezes a natureza se torna inimiga. Ao longo da viagem, os dois andarilhos fazem amigos, recebem ajuda, conhecem outras pessoas e também suas histórias tristes. Observa-se que, embora tenha existido planejamento para a viagem, nem Cheryl, nem Chris estavam realmente preparados para o que se propuseram a fazer. E os problemas que enfrentam provam isso para eles. Ao fazer esportes radicais, sempre arriscamos a vida, mas logicamente onde há ignorância o risco é bem maior.
E eis a pergunta: eles encontraram o que estavam buscando? O que de fato eles estavam buscando? O que de fato NÓS estamos buscando em nossa jornada? Talvez, por estarem perdidos, ou emocionalmente conturbados, ou moralmente revoltados e decepcionados, Cheryl e Chris tentaram buscar na natureza respostas para seus dilemas. Talvez estivessem tentando descobrir sua verdadeira identidade. A solidão realmente ajuda quando queremos refletir. Contudo, de acordo com C. S. Lewis, “se você adota a natureza como mestra, ela lhe ensina exatamente as lições que você decidiu aprender antecipadamente; em outras palavras, a natureza não ensina. (...) O único comando que a natureza expressa é: observe; ouça; fique atento” (LEWIS, 2013, p. 28).
Em “Livre” e em “Na Natureza Selvagem” não há menção de nenhuma forma de relacionamento dos protagonistas com Deus. Talvez algum tipo de crença ou misticismo, mas não há um relacionamento real, uma fé sólida. E isso é crucial. O ser humano tenta encontrar sua identidade de muitas formas: nos autores que gosta, na profissão que exerce, nos filósofos que concorda, nos amigos que admira, no estilo de vida que ostenta... Mas a nossa identidade não está aí. Parece ser lógico que quanto mais eu me conheço, mais nítida e sólida é minha identidade, mas não funciona assim. Para saber quem sou, preciso saber quem Deus é. A lógica é: quanto mais eu conheço a Deus, mais eu conheço o ser humano, pois a identidade do ser humano está em Deus. Para ler mais sobre isso sugiro o autor Soren Kierkegaard, que mostra em sua obra que a cura para Cheryl Strayed, Christopher McCandless, eu e você, vem em amor, pelo encontro com a graça de Deus. Só assim podemos ter consciência de quem nós somos.
Quando o ser humano encontra sua identidade em Deus e com Ele cultiva um relacionamento, situações como as que Cheryl e Chris passam são vivenciadas sem que sejamos destruídos: enfrentar o luto, as crises no casamento, a necessidade do perdão, a tomada de decisões, superar desilusões e mágoas, etc. Se, quando estamos sozinhos, encontramos o desespero, por outro lado, quando estamos em Deus, de acordo com o apóstolo Paulo, há esperança mesmo que tudo pareça desmoronar. Pois quando estamos fracos aí então é que somos fortes, porque podemos enfim admitir que precisamos Daquele que é infinitamente melhor do que nós e nos ama incondicionalmente.
Sem mais mergulhos teológicos, ambos os filmes e, certamente, os respectivos livros que lhes deram origem (posso dizer com certeza sobre “Na Natureza Selvagem” porque já li. “Livre” pretendo ler em breve) são imperdíveis e estão no topo da minha lista. Embora eu tenha feito um paralelo, “Na Natureza Selvagem” é superior e é um dos melhores filmes que eu já vi em toda a minha vida. Os dois filmes têm uma trilha sonora de alta qualidade, paisagens magníficas, sugestões de leituras de livros e poemas excelentes, atuação esplêndida de seu elenco e, é claro, um convite profundo à reflexão sobre o eu comigo mesmo, o eu com a natureza (criação) e o eu com Deus (Criador).

Assista aos trailers:

Na Natureza Selvagem


Livre




Referências:
 LEWIS, C. S. Os Quatro Amores. São Paulo: Martins Fontes, 2013, p. 28.
KRAKAUER, J. Na Natureza Selvagem. São Paulo: Cia das Letras, 2008, 2013 p.
STRAYED, C. Livre. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013, 376 p.  



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