Em Bobók (1873), o autor Fiódor
Dostoiévski apresenta uma crítica aos críticos de sua obra. Faz uma análise
também da sociedade russa em que vivia, através de um conto que consegue ser
engraçado mesmo que a maior parte de seus personagens esteja morta. Sim, alguns
personagens estão mortos! O texto se desenvolve na forma de narrativa em
primeira pessoa de Ivan Ivánitch, que tem o ofício de escritor e tradutor e vai
ao enterro de um parente distante para cumprir a convenção social. Começa a
observar o cenário e o comportamento das pessoas e demora-se por lá, por isso
acaba se deitando em um bloco de pedra. Meio sonolento, ele começa a ouvir uma
conversa abafada e quando aguça os ouvidos para compreender melhor o que as
pessoas diziam, surpreende-se com o diálogo dos mortos enterrados por ali há
menos de um ano.
Alguns já têm clareza de que estão
mortos, outros ainda estão despertando, ainda confusos. De toda forma a
conversa inicia entre dois homens e aos poucos, outros homens e mulheres vão se
agregando, formando uma confraria. O diálogo vai se desenvolvendo até quase
atingir seu clímax, que é interrompido pelo espirro de Ivan Ivánitch no “andar
de cima”, o que faz com que os defuntos se calem. Estavam dispostos a contarem
suas histórias sem mentiras, sem esconder os podres, a fim de rir e aproveitar
os últimos meses de consciência. Um deles afirma que vida e mentira são
sinônimos. Agora que estão mortos, não precisam mais mentir sobre nada, não
precisam se envergonhar de mais nada. Podem se despir completamente de toda
roupa e moral. Não há arrependimento.
Quando a conversa é interrompida, o
narrador sai desatinado, determinado a voltar para ouvir o restante daquela
balbúrdia. E está impressionado. Não consegue compreender como pode haver
perversão em um lugar como este. Mesmo após a morte ainda querem viver como
antes ou ainda pior. “Isto eu não posso admitir...”, ele diz.
O que impressiona é exatamente isso.
Como os mortos estão ainda presos à vida terrena e como a perversão ainda
impregna o caráter deles a ponto de não se preocuparem com os erros do passado,
com os entes que deixaram órfãos, com o futuro ou o juízo que os aguarda.
Organizam-se de modo a aproveitar o pouco de vida e consciência que lhes restam
para rir, se divertir e se dar ao prazer. Nada disso é digno de ser eterno e se
assim for, o fim será mesmo definitivo.
O autor e teólogo C. S. Lewis explica em
seu livro Os Quatro Amores, e em outras de suas obras, que só o que foi tocado
e transformado pelo Amor Absoluto tem esperança na eternidade. Se a
transformação de mente e coração não se inicia na vida terrena, fica difícil
alguma transformação nos atingir após a morte. A promessa de perfeição não nos
foi dada nesse momento e sim num futuro apocalíptico. Contudo é possível, como
Francis A. Schaeffer defende em sua obra “Verdadeira Espiritualidade”, de
momento em momento, ou de glória em glória como disse o apóstolo Paulo, através
da conformação de nossas mentes e coração à pessoa e exemplo de Jesus Cristo,
nos tornar seres humanos melhores, mais próximos à imagem e semelhança de Deus
como fomos criados originalmente para ser. Aí sim teremos algo que valha à pena
ser eterno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário