sábado, 17 de dezembro de 2016

Bobók e o Mundo dos Mortos

Em Bobók (1873), o autor Fiódor Dostoiévski apresenta uma crítica aos críticos de sua obra. Faz uma análise também da sociedade russa em que vivia, através de um conto que consegue ser engraçado mesmo que a maior parte de seus personagens esteja morta. Sim, alguns personagens estão mortos! O texto se desenvolve na forma de narrativa em primeira pessoa de Ivan Ivánitch, que tem o ofício de escritor e tradutor e vai ao enterro de um parente distante para cumprir a convenção social. Começa a observar o cenário e o comportamento das pessoas e demora-se por lá, por isso acaba se deitando em um bloco de pedra. Meio sonolento, ele começa a ouvir uma conversa abafada e quando aguça os ouvidos para compreender melhor o que as pessoas diziam, surpreende-se com o diálogo dos mortos enterrados por ali há menos de um ano.
Alguns já têm clareza de que estão mortos, outros ainda estão despertando, ainda confusos. De toda forma a conversa inicia entre dois homens e aos poucos, outros homens e mulheres vão se agregando, formando uma confraria. O diálogo vai se desenvolvendo até quase atingir seu clímax, que é interrompido pelo espirro de Ivan Ivánitch no “andar de cima”, o que faz com que os defuntos se calem. Estavam dispostos a contarem suas histórias sem mentiras, sem esconder os podres, a fim de rir e aproveitar os últimos meses de consciência. Um deles afirma que vida e mentira são sinônimos. Agora que estão mortos, não precisam mais mentir sobre nada, não precisam se envergonhar de mais nada. Podem se despir completamente de toda roupa e moral. Não há arrependimento.
Quando a conversa é interrompida, o narrador sai desatinado, determinado a voltar para ouvir o restante daquela balbúrdia. E está impressionado. Não consegue compreender como pode haver perversão em um lugar como este. Mesmo após a morte ainda querem viver como antes ou ainda pior. “Isto eu não posso admitir...”, ele diz.
O que impressiona é exatamente isso. Como os mortos estão ainda presos à vida terrena e como a perversão ainda impregna o caráter deles a ponto de não se preocuparem com os erros do passado, com os entes que deixaram órfãos, com o futuro ou o juízo que os aguarda. Organizam-se de modo a aproveitar o pouco de vida e consciência que lhes restam para rir, se divertir e se dar ao prazer. Nada disso é digno de ser eterno e se assim for, o fim será mesmo definitivo.

O autor e teólogo C. S. Lewis explica em seu livro Os Quatro Amores, e em outras de suas obras, que só o que foi tocado e transformado pelo Amor Absoluto tem esperança na eternidade. Se a transformação de mente e coração não se inicia na vida terrena, fica difícil alguma transformação nos atingir após a morte. A promessa de perfeição não nos foi dada nesse momento e sim num futuro apocalíptico. Contudo é possível, como Francis A. Schaeffer defende em sua obra “Verdadeira Espiritualidade”, de momento em momento, ou de glória em glória como disse o apóstolo Paulo, através da conformação de nossas mentes e coração à pessoa e exemplo de Jesus Cristo, nos tornar seres humanos melhores, mais próximos à imagem e semelhança de Deus como fomos criados originalmente para ser. Aí sim teremos algo que valha à pena ser eterno. 


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