Religião e cultura, irmãs siamesas
Religião e cultura são irmãs
siamesas. Compartilham o mesmo coração. E são elas que suprem aquilo que o ser
humano chama de alma. O alimento sólido é a alta cultura e, por exigir uma
digestão complexa, é compreensível que crianças e jovens tenham dificuldade em
ler Shakespeare, contemplar Rembrandt e ouvir Bach. Para apreciar esse tipo de
arte é preciso refinar o paladar. Refinar no sentido de se tornar superior. Não
para a prepotência, nem para inflar egos, e sim para conhecer a realidade,
desiludir-se das utopias e saber de uma vez por todas que o bem da humanidade,
de uma sociedade, de uma família só pode ser conquistado pela ação de
indivíduos. É o amor ao próximo o único meio para alcançar a tão sonhada “justiça social”. E começa em casa. Primeiro
pago minhas contas e limpo o que sujo. Depois me debruço sobre política
pública.
É muito bom quando a juventude
tem sede de saber. Pena mesmo é quando adultos, com toda a faculdade
intelectual possível, não conseguem reconhecer a realidade, nem valorizar e se
esforçar para ouvirem as vozes de nossos antepassados. Vozes essas que falam
através dos livros, das músicas, da poesia. Que continuam ecoando, mesmo quando
seus autores já morreram. O adulto que despreza o conhecimento vive na Matrix,
buscando a felicidade como um cachorro corre atrás do rabo. Iludido e
entorpecido, uma caricatura de homem.
Uma cultura rasteira e mesquinha
não pode produzir outra coisa a não ser políticos canalhas, jornalistas
péssimos, médicos charlatães e toda a sorte de profissionais de meia-tigela. O
povo vai se esquecendo de buscar as virtudes, vai se rendendo aos vícios. Com a
decadência da cultura pop, começa-se a exaltar o que era desprezado. Os heróis
de hoje retratados pela grande mídia matam civis e falam a novilíngua. Nem os vilões escapam da Polícia do Pensamento. Que o
diga nosso pobre Andrés de
Fonollosa, vulgo Berlim.
Mentes deformadas por propagandas
travestidas em arte e crime organizado camuflado de congregação religiosa,
tendem a terrestrializar a redenção do espírito. Revoluções querem destruir até
as bases, para edificar algo novo. Reformas almejam manter o que é bom, renovar
o que não funciona mais. Revolucionários tendem a se achar os portadores do bem
e apontar o inimigo como o mal. Reformistas deveriam reconhecer, com base no
Cristianismo, que o bem existe em si e que o mal é a negação do bem, assim como
o escuro é a ausência de luz. Portanto, todo ser humano tem potencial para ser
bom como um anjo ou vil como um demônio.
Acreditar que a religião é o ópio
do povo e que a cultura que interessa é apenas a que agrada ao self ou ao grupo a que se quer pertencer
é uma cosmovisão muito rasa e embaçada. Uma maneira medíocre de viver. O
cidadão que pensa assim, fecha-se para todo debate. Nesse caso, deveria, ao
menos, abster-se de emitir opiniões. Uma opinião não importa ao menos que venha
preenchida de experiência, leitura e pesquisa. Fundamentada na verdade, na
sinceridade e no que se aprende não apenas com a cultura de agora, mas também
com o que foi herdado.
É engano acreditar que a economia
e a disputa de classes são a explicação última para o sofrimento. O ser humano
é um animal demasiadamente complexo para ser estudado só por esse ângulo.
Nenhuma ciência, nem mesmo a economia, conseguiu responder de onde veio o
homem, o que ele veio fazer aqui e para onde vai depois da morte. Essa resposta
compõe o que heróis na fé declaram, que não somos avestruz para viver apenas do
imanente. O pensamento humano é atraído pelo infinito. Pelo que é eterno. Santo
Agostinho declara em suas confissões: “… porque nos fizeste para ti, e o nosso
coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso”. C. S. Lewis fala
o mesmo em linguagem narniana: “Se eu encontrar em mim mesmo um desejo que nada
nesse mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que fui feito para
outro mundo”.
A religião e a cultura têm o
mesmo coração, que é o próprio Deus, porque o homem não é um sistema fechado. O
salto no escuro ao qual se refere o professor Guilherme de Carvalho é essa
busca pela identidade e autenticidade em si próprio. Ninguém pensa com a
própria cabeça. Se as referências e os valores não vem da alta cultura e do
cristianismo, vão vir de outros lugares. Sociedade laica é mais uma utopia.
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